Ulrich b
Outro dia, o senhor Ulrich confidenciou-me estar a escrever três livros simultaneamente. De imediato, considerei o labor e dinâmica desse mesmo processo - talvez tenha exagerado na ilustração fonética da minha admiração - entre espanto e encanto, surpresa e natureza singular (embora no caso concreto plural) da obra. O senhor Ulrich lamentava a desproporção, da sua obra e da minha felicitação, encaradas como um peso, encarnadas numa única mágua. "Sabe, tenho a minha vida tão compartimentada que não tive alternativa senão avançar com 3 livros." Eu não faço a mínima ideia sobre o que escreve o senhor Ulrich - e se tudo correr bem, nunca o vou saber - mas a ideia pareceu-me um feito. Mesmo quando o desânimo do senhor Ulrich sobreveio, e percebi o desgosto na sua expressão frouxa e palavras lassas, mantive a noção de valor e pompa do conceito apresentado. "Mas é algum sobre o passado, têm temas diferentes?" perguntei enredado no assunto. "Não meu caro, são todos sobre a mesma matéria, eu próprio, indiferente ao tempo, verbal ou de horóscopo, seguindo um único estilo, o meu" - retribuiu quase resignado, ao jeito plácido, sombreando os olhos com a mão, acabando por quase esconder a face do sol de Julho, à meia hora, diante de um prédio construido a jusante de qualquer significado. Eu tinha acabado de acordar e, ainda sem café, despachei a conversa e segui para a pastelaria. Durante a tarde, mais desperto, voltei a pensar no assunto e percebi a tontaria do senhor Ulrich, o seu programa de desenho da vida, tentando contornar as dúvidas, escrevendo normas sobre a hesitação.