Shamrock (19)
A verdade perpassa, tal e qual o sake- um leve incómodo no final da refeição; como o saque- o longo instante a conciliar a privação. Serão os amigos eléctricos, questionava-se enquanto percorria os endereços no BlackBerry, no meio de Devon, fantasmas e políticas de expansão. Tinha encostado o carro alugado numa berma mais ou menos "segura", o friso de uma cottage garden, e fechado os vidros temendo as fragrâncias, chilreares e deterioração, já lhe bastando para tal o erudito estudo de viabilidade de uma pequena companhia aérea tailandesa. No fundo, tinha de fazer a peritagem a décadas de gestão danosa, submissão continuada e predomínio da maquinação sobre a moral e mesmo sobre a máquina. Eram milhares contas rasuradas, múltiplos esquemas de desvio de verbas, desperdício e iniquidade social, resumidas numa resma contínua de papel A4, profundamente printada, intensamente monótona. A semi valeta de uma estrada rural não seria, com alguma certeza, o local mais confortável para analisar contas e debitar cômputos por um telemóvel artilhado mas, até para a economia era necessária inspiração - in the mood for economics. Prosseguia remoendo a asneira de ter deixado o Power, Corruptions and Lies em Portugal, lamentando a falta do disco naquele momento, aborrecido com os weather forecasts dissimulados na música saída do auto-rádio; de qualquer forma o carro não tinha leitor de cds. A verdade perpassa, sabia, da leitura de mais um relatório, da substituição de variáveis por números, convertendo caracteres em carácter, morigerando os fundos de maneio até conseguir maneiras dignas. Shamrock ao entardecer, naquilo que fazia melhor, afastado do seu habitat, isolado e dentro de um carro, contrariado pela tecnologia, cingido pela electricidade e estática.