Fado gregário
Recebo muita publicidade não endereçada. Tanta que justifica tirar um dia de férias para arranjar o tal autocolante imunizador. Aliás, o maior benefício da vida no campo é um decréscimo de 64% nos panfletos e outros papeis plastificados despejados na caixa do correio. Muito possivelmente o leilão do lote 49 (conferir W.A.S.T.E. e Trystero) lida com esta problemática, com este culto parnasiano (art for the art sake, publicitar por publicitar). Com boa vontade, até imagino, no quadro das mulheres bordando o manto terrestre, grandes promoções de chocolate e sofisticados artigos de higiene esvoaçantes pela janela pós-estruturalista (talvez tenha forçado um bocado). O ecosistema tem de ceder e anúncios com preços baratos e oportunidades únicas são motivos tão bons como outro qualquer. Todos os dias na Amazónia marcam uma árvore com o nome da minha rua, abatem-na e transformam a parede das suas células e fibras em papel enviado sem endereço. O principal motivo que impede o alvará de novos hipermercados é a insuficiência das caixas de correio: volumetricamente mal concebidas (demasiado achatadas), simplesmente não albergam as corpulentas resmas de papel com propaganda e publicidade. Mas tudo bem. Se calha de estar três dias sem esvaziar o correio (o que equivale a uma pequena desconcentração), deparo-me com o brilhante cenário das revistas que assino (= pago) abandonadas nas escadas da entrada do prédio; já as campanhas de verão dos supermercados localizados num raio de 100 km estão cuidadosamente depositadas na caixa do correio, com zelo e desvelo, salvas de pingos de lama e solas de sapatos. Mas isso sou eu que tenho de ter mais cuidado e perceber as idiossincrasias da urbe, compreender o fado gregário e aceitar a propriedade do senhor do marketing sobre a fracção privada.